"Na epopéia celta encontram-se muitas personagens femininas que nada ficam a dever aos homens. Segundo a tradição, a Irlanda era habitada, antes do dilúvio, por uma mulher primordial de nome Cesair; e a própria Irlanda se tornou uma entidade divina ou feérica... Foi também uma mulher, Airmed, a filha do deus-médico Diancecht que, graças à sua ciência e magia, devolveu o poder real ao Nuada vencido, fabricando-lhe um braço de prata tão eficaz e vivo como o seu braço de carne, fazendo-lhe um implante graças a uma operação cirúrgica.
Acontece, com efeito, que na perspectiva celta, as mulheres são dotadas de poderes, às vezes, ignorados pelos homens. A mulher é sempre a imagem simbólica da Soberania, pois encarna o conjunto da comunidade junto ao rei - acessoriamente o marido - como uma chave mestra, um pouco como acontece no jogo de xadrez em que a rainha é a peça de maior mobilidade, mas onde o rei também é uma peça fundamental, sem a qual se perde a partida.
Nas narrativas épicas aparecem as mulheres mágicas, além de feiticeiras, como a primeira esposa de Mider, Fuamnach, inimiga jurada da bela Etaine (segunda esposa de Midir), e mais tarde mulheres-guerreiras iniciadoras dos jovens e temíveis sacerdotisas especialistas em manipular os sortilégios. Estas mulheres nunca deixam de viver em plenitude, arcando com as consequências dos seus atos. Por mais conscientes que estejam do seu poder, não esquecem que podem morrer de amor [?], estando sujeitas às circunstâncias que lhes alimentou a paixão voraz e ilimitada dos seus caprichos.
As características mais salientes destas heroínas femininas épicas se apresentam em múltiplas aparências, múltiplos rostos, múltiplos semblantes, geralmente três, tendo em consideração o número simbólico sagrado dos Celtas, o qual se apresenta na forma de tríades. As heroínas aparecem por isso, com inúmeras aparências e nomes, em diferentes épocas e em outras vidas sucessivas.
Morrigane (Morrighan), filha de Ernmas é uma das personagens mais marcantes das tribos da deusa Dana, junto com suas irmãs Badb e Macha eram conhecidas pelo nome de "Três Morrígans". O que nela melhor se evidência, em particular, na narrativa da Batalha de Magh Turedh, é o fato de se tratar de uma divindade guerreira temível para os seus inimigos durante os conflitos, enquanto exortava os guerreiros a combaterem com encamiçamento.
O nome Morrighan, que significa "grande rainha", evoca o da "fada" Morgana do ciclo arthuriano. Morrigane é o tipo de mulher celta vista pelos autores das epopéias mitológicas; e, muitas vezes, vamos encontrar este tipo nas personagens femininas que, na fronteira entre o humano e o feérico, possuem dons mais ou menos sobrenaturais, como o poderoso Geis, ou seja, o poder do encantamento mágico que tem o valor de obrigação absoluta para os que dela é objeto.
Os filtros do amor pouco podem fazer face ao encantamento mágico e religioso que intervém no mundo invisível, e faz depender os atos humanos das divindades invisíveis. A jovem Etaine, profundamente amada pelo sombrio deus Mider, não escapa dos Geis lançado pela sua rival Furimach, e nada neste mundo consegue poupá-la ao longo do período de turbulências e depois de metamorfoses que a afetarão profundamente. Apesar disso, a aventura de Etaine e de Mider é uma história de amor "normal", na mais bela tradição romântica.
Na epopéia celta, no entanto, o amor não é um sentimento isolado, fazendo parte das grandes mutações que se operam no universo; tudo se dirige por entre as diversas peripécias psicológicas, para uma dimensão cósmica à qual ninguém consegue escapar... E, acima de tudo, procura transmitir-se a idéia de que a mulher, que é iniciadora por essência, é capaz de dar, com o seu amor, um segundo nascimento, o nascimento na eternidade, àquele que escolheu para amar." Por Jean Markale em "A Grande Epopéia dos Celtas".
A força guerreira presente nas mulheres celtas, que não necessariamente precisam "morrer de amor", fonte de inspiração para nós e que, por uma série de motivos, se perderam no tempo. Despertar essa energia também faz parte do caminho, pois os celtas acreditavam na igualdade dos seres e acima de tudo, na sacralidade do Todo. Esse tema nos faz perceber como a espiritualidade celta nos conecta às essas forças primordiais, implícitas nos três reinos celtas, tão necessários a todos nós atualmente.
Bênçãos plenas do Céu, da Terra e do Mar!
Credito da imagem: Denise Garner
Rowena A. Senėwėen ®